Há quatro anos, estava no meio da aula de vôlei de praia, quando o professor olhou para os meus braços, fez a maior cara de assustado do mundo e mandou que eu não voltasse lá enquanto não levasse um atestado médico. O motivo de tanto espanto e preocupação eram umas manchas roxas no braço e coxa.
Cresci com manchas roxas. A maioria era por batidas e pancadas mesmo. Tenho tendência a qualquer esbarrão ficar marcada. Como sou meio estabanada… já viu!
Mas outras apareciam sem ter motivo nenhum. Eram mais uniformes, redondinhas e sumiam assim como vieram. Do nada!
Como cresci assim, nem me preocupava mais. Entretanto, depois da ameaça do meu professor, decidi procurar um médico. Conversei com um colega de trabalho que era amigo e se consultava com um dos melhores angiologistas do Brasil. Ele conseguiu um encaixe na mesma semana.
O preço da consulta era salgado, quase 600 reais! Deixe um cheque com a secretaria e entrei na sala do médico. Ele era um senhor de uns 70 anos com um dos sorrisos mais amáveis deste mundo, parecendo aqueles vovôs de comercial de margarina.
Ele quis saber tudo da minha vida. Da minha, da dos meus pais, do meu companheiro na época. Contei toda a história para ele, desde que era bebê até aquela data. Ele então mandou eu deitar, foi olhar as manchas, pegou meu braço, mexeu em cada uma delas.
Pediu que eu me sentasse novamente, lavou as mãos e sentou também. Foi então que me olhando com muito amor e cuidado, perguntou:
– Filha, você sabe o que é mágoa?
– O sentimento? – Perguntei.
– Não…
Ele fez uma pausa e começou a me explicar.
– Eu sou do interior de Minas Gerais, uma cidade dessas bem tradicionais, onde…você sabe como é… a maioria das mulheres não costuma muito reclamar. Os maridos acabam tendo mais voz e elas costumam aceitar tudo. Guardam tudo dentro delas, sem explodir, sem se impor, sem falar o que elas querem. Eles geralmente decidem como as coisas vão ser. São poucas as exceções.
Neste ponto ele deixou a voz ainda mais suave.
– Então… As próprias mulheres perceberam que quando elas não falam, guardam tudo o que sentem e vão dormir com aquela insatisfação e tristeza dentro delas, elas acordam cheias de manchas roxas pelo corpo. Lá, elas chamam isso de mágoa. Você tem mágoa, minha filha.
É claro que eu não consegui falar nada. Eu comecei a chorar compulsivamente. Eu soluçava. Tentava me controlar, mas quanto mais eu me segurava mais forte o choro ficava.
No começo ele não falou nada, só deixou que eu chorasse. Depois me explicou o quanto era importante para minha saúde mudar esse comportamento. Conversei um bom tempo com ele, até me despedir com a cara inchada de tanto chorar, mas com o corpo bem mais leve.
Acho que ele sentiu tanto minha dor que não me cobrou a consulta. O cheque nunca foi depositado. Mas eu pagaria com muito gosto, por que nunca tive a chance de dizer para ele que aquele dia foi um dos grandes momentos que contribuíram para minha mudança.
Depois dele comecei a buscar formas de tirar de dentro de mim aqueles sentimentos e pensamentos que estavam me matando aos poucos. Consegui sair de um relacionamento que me fazia mal e buscar o que dava alegria e me fazia autêntica.
Também tenho ficado atenta ao que meu corpo fala.
Eu não vou mentir e dizer que agora consigo sempre me colocar, ser euzinha em tudo. Mas posso dizer que agora as manchas roxas espalhadas por meu corpo são cada vez menos “mágoas” e cada vez mais resultados das minhas escaladas, pedaladas, trilhas e quedas de bunda em cachoeiras escorregadias. E essas eu tenho o maior orgulho de exibir! Repara nelas depois da aula de surf, mas olha também o tamanho desse sorriso!!!

11 comentários
Lindo texto! Bela foto!
Vindo de você, Tércio… Tô me achando aqui!
Vc merece muito mais!
Bom demais ver seu sucesso!
Viva, se deixe viver…🙏
Bem isso, Jadson.
Que legal Bárbara! Parabéns pela sua mudança. Texto e foto lindos (sou suspeita pra falar 😊). Estava procurando uma explicação para as minhas manchas roxas, você me deu uma luz!. Obrigada.
Eliane, compartilhar isso faz parte dessa mudança! Não é fácil, mas a gente dá conta!!! Lindona! Um beijão.
Lindo texto. Me tocou profundamente!
Obrigada por compartilhar.
Gislane, eu que agradeço pelo retorno. Me ajuda ainda mais a continuar falando e manter essas roxinhas longe de mim!
Ótimo texto! Compartilhei com muita gente que precisa ler esse relato!
Obrigada por compartilhar <3
Eu que agradeço pelo retorno, Amanda! Espero de coração que ajude. Foi terapêutico pra mim.