Recentemente li um livro curtinho, mas que tem produzido um efeito enorme na minha vida. É um livro de artigos da Virginia Woolf que explica, entre outras coisas, por que nós devemos aprender a matar. Isso mesmo, ela era uma mestra no assunto! Olha esse trecho:
“Descobri que, se fosse resenhar livros, ia ter de combater um certo fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando a conheci melhor, dei a ela o nome da heroína de um famoso poema, “O Anjo do Lar”. (…) Era ela que me incomodava, tomava meu tempo e me atormentava tanto que no fim matei essa mulher.”
A Anjo do lar atormentava a vida da escritora dizendo coisas como “querida, você vai escrever um texto sobre o livro de um homem? Seja amável, seja gentil. Nunca deixe ninguém perceber que você tem opinião própria”.
Toda vez que ela precisava escrever um texto mais ousado, a voz da Anjo do Lar chegava junto e tentava mostrar todos os riscos daquilo. Queria que a escritora fizesse que nem ela, que pensasse em nome da harmonia do lar, dos relacionamentos, que não se arriscasse. Muitas vezes ela ouviu a Anjo do Lar e deixou a caneta de lado.
Até que um dia, ela decidiu reagir. Quando começou a ouvir a voz da Anjo do Lar dizendo que ela tivesse cuidado com o que escrevia, chegou perto da Anjo e, nas palavras da própria escritora, “agarrei minhas mãos na garganta da infeliz”. Asfixiou a mulher até que ela perdesse toda a voz e, assim, pudesse continuar escrevendo.

É claro que o Anjo do Lar voltou algumas vezes. Nessas ocasiões, Virginia jogava tinteiros e o que tivesse ao alcance dela na direção da mulher até que ela calasse a boca e saísse dali. A partir de então o Anjo começou a ter a voz cada vez mais fraca, até que um dia se calou.
No artigo, Vírgina lembra que toda casa tem um Anjo do Lar. Eu digo mais! Todos nós temos uma Anjo do Lar, principalmente nós mulheres. Temos uma voz em nossas mentes que nos diz que não estamos preparadas, nos orienta a seguir o caminho mais seguro, a não desagradar ninguém. Essa voz sempre diz coisas como você não é bom o suficiente, se prepare mais, o que vão dizer de você?
Durante boa parte da minha vida essa voz foi muito clara e forte. Fez com que eu seguisse caminhos aceitáveis e normais. De um tempo pra cá, tenho mudado muito minha relação com ela. Tenho ficado mais ciente às influências dela e feito ela calar.
O livro me ajudou nessa dinâmica. Um dia estava triste por não conseguir fazer o que eu queria, por estar envolva em vozes que me diziam coisas terríveis. Daí lembrei do texto. Foi seeeeeensacional!

Dei o nome de A Insegura para aquela voz. Falei que ela estava infernizando a minha vida, que queria ela longe de mim. Como ela continuou tagarelando, me imaginei sufocando a infeliz. Nunca pensei que fosse tão prazeroso fazer isso. Virginia Woolf aflorou em mim uma assassina brilhante!
Vez ou outra a Insegura ainda me atormenta, mas está cada vez mais fraca. E ultimamente tenho aperfeiçoado minhas habilidades de assassina. Descobri que o que ela mais quer é atenção, então decidi ter requintes de crueldade: matar por indiferença e inanição! Deixo ela ali minguando esfomeada… sem dar ouvidos.
Hoje acredito que, mais do que gastar energia tentado matá-la, o segredo é se desvincular dessa voz! Estar atento para as vozes na sua cabeça. Entender que essa voz não é você, que você não precisa obedecê-la. Muito pelo contrário. Dê um nome e uma identidade para ela e, por fim, encontre sua maneira de enfraquecê-la .
Dê nome aos bois
Outros autores do meu coração também deram nomes às suas vozes e ensinam como lidar com ela. Brené Brown, cujo livro esteve em primeiro lugar na lista do The New Times, conta que tem aprendido a se livrar dos seus Gremlins.
Quando estava com bloqueio criativo para escrever seu livro, começou a reparar nessas vozes e deu o nome delas de Gremlins. Brown disse que não fácil fazer eles se calarem. Entrentato, “Se, porém, desenvolvermos essa consciência a ponto de lhe dar nome e falar sobre ela, nos a colocaremos de joelho”.
Vale lembrar que a gente não se livra dessas vozes da noite pro dia. Elas são resultado da nossa cultura e de fircamos repetindo frases limitadoras que ouvíamos quando criança.
Mas garanto que a prática é recompensadra. Alimentei a Insegura durante muitos anos, mas tenho certeza que estou cada vez mais perto de me tornar uma assassina tão profissa quanto Virginia Woolf. Do meu jeito, por inanição, mas vai. E neste caso, no lugar de uma prisão, o que a gente ganha quando mata, é liberdade! Sejamos todos assassinos!

P.S.1: O nome do livro da Virginia Woolf é Profissões para mulheres e outros artigos feministas.
Para mais crônicas, clique aqui!
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P.S.2: Depois de escreve lembrei de um trecho do livro Grande Magia, da
Elizabeth Gilbert. Se você achar muito doido falar com sua voz, pode escrever, como ela fez. Olha a carta que a escritora fez para a voz que dizia que nada ia dar certo:
“Querido Medo, a Criatividade e eu estamos prestes a pegar a estrada juntas. Sei que você virá conosco, pois sempre o faz. Reconheço que você acredita ter um trabalho importante a desempenhar na minha vida e que leva esse trabalho a sério. Ao que parece, seu trabalho é me deixar completamente em pânico sempre que estou prestes a fazer qualquer coisa interessante — e, aliás, você faz um excelente trabalho. Então fique à vontade para continuar a fazê-lo caso considere absolutamente necessário. Mas também estarei fazendo meu trabalho durante esta viagem, que é dar duro e permanecer focada. E a Criatividade estará fazendo o trabalho dela, que é permanecer estimulante e inspiradora. Há espaço suficiente no carro para todos nós, então fique à vontade, mas entenda uma coisa: a Criatividade e eu somos as únicas que vamos tomar decisões durante o percurso. Reconheço e respeito o fato de que você é parte desta família, e, portanto, nunca o excluirei de nossas atividades, mas ainda assim suas sugestões nunca serão seguidas.”
“Você tem direito a um lugar no carro e a se manifestar, mas não tem direito a voto. Você não pode tocar nos mapas; não pode sugerir desvios de rota; não pode mudar a temperatura do ar-condicionado. Cara, nem encoste no rádio. Mas acima de tudo, meu querido e velho amigo, você está terminantemente proibido de dirigir.” E lá vamos nós — eu, minha criatividade e meu medo —, lado a lado para sempre, avançando mais uma vez em direção ao território assustador, porém maravilhoso, do resultado incerto.