Escrito em setembro de 2016.
Eu tava muito irritada. Pensei que se um dia isso fosse acontecer, sentiria vergonha. Entretanto, era raiva o que eu mais sentia. Nem ligava pro que os outros estavam pensando. Durante anos, tive medo de que isso se tornasse público. Agora, o que o mais tinha era ira do delator que me colocou naquela situação. Tá certo que alguns ali até desconfiavam, mas era mais confortável viver com a ilusão de que passaria batido por todos.
Saí da sala raivosa e pedi um Uber. Pela segunda vez desde que eu uso o serviço, quem estava dirigindo era uma mulher, a Estela. Senti um conforto enorme e quis desabafar com ela. O engraçado é que perguntei antes se poderia confiar nela. Não sei o motivo, já tinha tanta gente sabendo. Que diferença faria. E outra coisa: porque eu iria confiar na palavra de uma estranha. Só sei que eu queria falar com alguém e perguntei se poderia desabafar para a loira na minha frente.
Ela disse que claro, mas que antes queria contar algo. Eu era a miléssima corrida dela desde que ela entrou pro uber. Ela falou isso com tanta alegria que esqueci do que tinha acabado de acontecer. Ela vibrava. Estava ainda mais feliz por eu estar compartilhando algo com ela. Em seguida, começou a me contar um pouco do que aconteceu nesses seis meses como motorista de aplicativo.

Falou que já pegou um pedido de casamento. O rapaz e a jovem estavam brigando no banco de trás e a passageira queria descer. O impulso do rapaz foi tirar uma caixa de aliança do bolso que estava aguardando o momento certo e pedir a namorada em casamento ali mesmo. A Estela disse que a menina chorou horrores no banco de trás enquanto enchia o rapaz de beijos.
Contou de uma vez que se meteu numa briga com um taxista, outra em que um passageiro tentou agarrá-la. Uma vez um homem se apaixonou por ela e pediu o telefone para a central do Uber. Contou também quando pegou uma prostituta que compartilhou com ela algumas das coisas que os homens mais gostam na cama e como estava difícil trabalhar em época de internet e sexo fácil com tinder, happen e outros aplicativos.
Teve uma vez ainda que ela disse ter pego uma dondoca atrasada para ir ao médico e que essa mulher deu ataques no bando de trás. Aos berros dizia que a Estela teria pego o caminho errado. Ela pediu ao Uber que nunca mais fosse chamada caso aquela passageira pedisse um Uber. Foram várias histórias, uma atrás da outra… de gente bêbada, casal se pegando no banco de trás, gente com bichos.

Mas a história mais legal era da própria Estela. Ela veio grávida de Florianópolis fugindo do ex-marido. Ele era louco de ciúmes. Ela chegou a se separar dele, mas ele foi atrás dela e tentou matá-la. O único lugar que ela se sentiria segura era aqui em Brasília, perto da família. Ela veio sem ele saber que ela estava grávida. Decidiu ter o bebê sozinha. Como estava sem emprego e tinha um carro parado na garagem, o irmão brincou que ela virasse motorista de Uber. Ela acabou gostando da ideia.
Hoje, todo santo dia, faça o tempo que for e independente do dia da semana, a Estela deixa a filha com a mãe e pega a estrada. Foi paixão à primeira corrida. Ela reluzia enquanto contava quantos lugares conheceu aqui, com quantas pessoas diferentes já conversou, todos os apuros e alegrias que já viveu dentro daquele carro. Uma vez ela rodou mais de 14 horas seguidas. Não queria saber de outra profissão. Naquele dia tinha decidido, só ia pra casa depois da corrida de número 1000. Eu fui a sortuda. E depois de tanta história boa, a minha perdeu completamente a importância.
2 comentários
Parabéns pelo seu blog!!!
Me mudei para Brasília e não conhecia nem 1/3 das cachoeiras que você foi. Me ajudou e muito a fazer um roteiro do que não posso perder! Rs
Parabéns e muito obrigada pelas indicações.
Uhuuuuuuuu que felicidade poder ajudar!!!! Conte comigo pra qualquer dúvida